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Cultura do imobiliário, existe em Portugal?

O mercado imobiliário tem sofrido grandes transformações nos últimos anos e temos vindo a assistir a uma profissionalização, no entanto, estamos perto de chegar a uma verdadeira cultura do imobiliário? Muitos especialistas afirmam que ainda não e que é necessário antes de tudo, credibilizar o sector.

O Diário Imobiliário quis saber o que é necessário para que se caminhe para um mercado imobiliário mais profissional e credível, quando tem um peso de 15% do PIB nacional. Com esta importância económica, porque ainda se olha para este sector como um ‘parente pobre’ da economia nacional?

José Gavino, director da Corum em Portugal, explica: “Ao longo dos tempos, o imobiliário sempre foi visto como uma forma de riqueza, de transmissão de património e de investimento. Hoje, continua a ser visto como uma forma de riqueza uma vez que é um bem. No que toca à transmissão de património também esta premissa continua absolutamente válida, seja através de imobiliário directo seja através de fundos. Já quanto ao investimento, tudo muda. Porque quando se fala em investimento, podemos olhar para duas realidades: a valorização do capital a longo prazo e a rentabilização desse investimento através de rendimento recorrente”.

O responsável adianta ainda que durante praticamente todo século XX, a parte da valorização do capital foi uma realidade, uma vez que o imobiliário foi seguindo a tendência da inflação e nalguns casos, valorizando mais do que a inflação. “No que toca à parte do investimento, em Portugal, a partir do momento em que as rendas ficaram congeladas ou completamente fora do mercado, deixámos como país de olhar para o imobiliário como um investimento para obter rendimentos recorrentes. É desta cultura que se perdeu de que falo. Esta cultura existe em muitos outros países da Europa, mas muito menos em Portugal”, salienta.

José Gavino  lembra ainda a apelidada ‘Lei Cristas’ que veio alterar drasticamente esta percepção, com uma forte ajuda do turismo e de plataformas de alojamento local, como a Airbnb. “Adicionalmente, devemos considerar que o acesso democratizado ao imobiliário através dos fundos nem sempre foi o mais saudável ou nem sempre foi o mais democrático, por ter valores de investimento mínimos altos. Esta realidade já mudou – por exemplo, é possível entrar num fundo da Corum por 189 euros e fazer reforços mínimos mensais de 50 euros, valores que são acessíveis a uma parte significativa dos portugueses”, salienta.

Andrá Casaca, promotor imobiliário, admite que existe cultura imobiliária mas entende que se trata de uma cultura demasiado egocêntrica e muito voltada para o curto prazo “o que faz com que a confiança entre os stakeholders do mercado não seja fantástica.É a minha visão do dia-a-dia de quem está no mercado. Por vezes quem vê de fora pode parecer um mercado perfeito”.

João Sousa, CEO do JPS Group e também promotor, considera que o significado de cultura é muito amplo, “se estivermos a falar de conhecimento, crenças e hábitos de um determinado grupo, a Cultura do Imobiliário pode ter duas perspectivas, uma relacionada com a própria cultura corporativa e a sua forma de encarar o cliente e o mercado imobiliário, a outra, mais abrangente, com o mercado imobiliário em geral”.  O responsável admite que são muitos os aspectos a abordar quando falamos da Cultura do Imobiliário em geral, e “poderia falar de muitos, como as relações de proximidade com os clientes, a transparência dos negócios, a especulação na venda de terrenos que inviabiliza a construção de casas a preços acessíveis, a morosidade dos processos de licenciamento que fazem com que um projecto potencialmente rentável possa vir a deixar de o ser e que muitas vezes esse receio impede os promotores de apostar mais, a carga fiscal na obra nova etc”.

Cultura é sinónimo de conhecimento

Já José Rui Meneses e Castro, cofundador e administrador da MAP Engenharia, cultura é sinónimo de conhecimento e “Cultura do Imobiliário, será exactamente conhecer bem o mercado imobiliário. É fundamental conhecer a procura, sabendo quais são as necessidades de quem compra, prever as tendências, qual o preço, em que horizonte temporal. E simultaneamente ter conhecimentos para desenvolver a oferta, como planear e como executar”.

Francisco Mota Ferreira, consultor imobiliário, é peremptório, “acho que não existe cultura de imobiliário, deveria existir, e deve caber a cada um de nós que está no sector – consultores, brokers, agências, etc. – definir um conjunto de regras formais ou informais que possam melhorar a imagem que existe sobre o imobiliário e sobre esta profissão. Nestas regras deveria caber valores soberanos como a verdade, a honestidade e a transparência, que nos faltam imensas vezes”.

Para este responsável falta acima de tudo, vontade. “Uma extensa minoria pode querer mudar algumas regras e tentar credibilizar uma profissão e um sector mas luta contra o actual status quo, nebuloso qb, que é benéfico a tantos que fazem disto vida: Consultores, agências, construtores, investidores, etc. Mas há excelentes profissionais, parceiros e agências que lutam todos os dias para que esta cultura seja uma realidade”.

Cultura não está nas palavras, está nas atitudes e nas práticas

André Casaca vai mais longe: “Como em muitas outras actividades e mercados, o que falta em Portugal é passar das palavras aos actos.  A cultura não está nas palavras, está nas atitudes e nas práticas. É necessário transformar boas intenções em acções e realidade”.

Para João Sousa, é necessário mudar mentalidades. “Os portugueses começam a perceber a pouco e pouco que é preferível apostar em zonas menos consolidadas de hoje, mas que o serão amanhã, ou mais distanciadas do centro das grandes cidades, mas que aumentem em muito a sua qualidade de vida e a da sua família. Sendo que o valor de investimento também é mais baixo, o que permite uma folga financeira familiar”.

Já o responsável da MAP Engenharia, afirma que nos últimos anos têm havido grandes melhorias ao nível desta cultura. “O mercado imobiliário passou de maioritariamente pouco evoluído para um mercado tipicamente evoluído. O mercado passou a estar dominado por investidores profissionalizados, que têm elevada liquidez e estão mais focados no médio/longo prazo. Ou seja, preocupam-se em estudar e analisar o mercado, conceber e planear bons projectos, terem os melhores recursos e parceiros, para que possam entregar o produto mais adequado a cada segmento e a cada localização, com a melhor qualidade”.

O que é necessário fazer para criar essa cultura?

Para André Casaca, não existem fórmulas mágicas ou milagres. O primeiro passo é sempre o mais difícil. Por exemplo, existem algumas práticas associativas e eventos que têm aproximado os players do mercado.  "Acredito que esse tipo de iniciativas tem impacto positivo. Hoje vivemos um momento de mudança que nos vai obrigar a adaptar e a crescer como profissionais e seres humanos. Acredito que será um momento de evolução do mercado no que diz respeito a cultura. É essencial aproximar as gerações mais experientes das gerações mais jovens para que o processo criativo seja mais completo e proveitoso. É preciso aligeirar o tabu que envolve o mercado e torná-lo mais fluido do ponto de vista da comunicação”.

Para Francisco Mota Ferreira, esta cultura, “ irá sempre depender de nós. Dou um exemplo: há uma marca bem conhecida do mercado português que tem excelentes profissionais e excelentes agências. Mas, e porque tem uma estratégia de mass market, de contratar tudo o que mexe e respira, acabou por manchar a reputação da marca. E para quem está fora do mercado, não sabe distinguir a diferença entre a agência A Azul da Agência A Verde. Para o comum dos mortais são uma e a mesma coisa, por muito que quem faz parte delas tente explicar que não. E por uns pagam os outros. Eu diria que é preciso um trabalho de ‘formiguinha’. Haver cada vez mais consultores e agências que sejam credíveis, que se possam reger por regras deontológicas apertadas (nem que sejam as próprias que lhes são impostas pela consciência) para que a imagem de uma cultura do imobiliário seja credível”.

José Rui Meneses e Castro, acrescenta ainda que é necessário que os players do mercado tenham uma atitude profissional. “Que conheçam bem as diversas fases do ciclo imobiliário: Desde a análise de mercado inicial e elaboração do estudo de viabilidade, dominar o enquadramento legal e fiscal, planear, desenvolver o conceito, executar um plano de marketing, executar bons projectos, licenciar, construir com qualidade, comercializar e gerir os imóveis. E que ao longo dessas diversas fases os passos sejam dados com o suporte dos especialistas de cada área, de maneira a reduzirem as incertezas e o risco ao máximo. Desenvolvendo exactamente o melhor produto que se adeque a cada localização”.

De que modo uma Cultura do Imobiliário ajudaria o mercado português?

Francisco Mota Ferreira, Consultor imobiliário - Penso que ajudaria à credibilização da profissão como um todo. Quem está, passaria a reger-se por estas regras, quem chega já saberia ao que vinha. E, no final, ganharíamos todos, incluindo, naturalmente, o cliente.

André Casaca, Promotor imobiliário - O mercado português tornou-se global e internacional. Este pressuposto traz mais responsabilidade e também obriga a evolução. É importante mencionar que acredito plenamente que Portugal não está atrás de ninguém ao nível do potencial do mercado e da qualidade dos seus profissionais. Se conseguirmos afirmar uma cultura de longo prazo, com a resiliência, criatividade e coragem que nos é reconhecida, seremos um case study mundial.

João Sousa, CEO JPS Group - Neste momento um dos maiores desafios dos promotores imobiliários é conseguirem construir casas a preços alcançáveis pelas famílias portuguesas. Os preços dos terrenos nos grandes centros estão tão elevados, que torna inviável qualquer construção para a maioria das famílias portuguesas. Se mudassem as mentalidades, haveria mais confiança nas apostas fora dos grandes centros.

José Rui Meneses e Castro, cofundador e administrador da MAP Engenharia - Um Investidor Imobiliário pouco evoluído não pode ter o mesmo sucesso de um investidor evoluído. Como exemplo, quem numa zona Prime desenvolver um produto imobiliário para venda e que se preocupou em estudar o que os compradores valorizam e reflectiu essas necessidades nos seus projectos, tem claramente de vender melhor e mais rápido o seu produto, comparativamente com aquele que investiu a sentimento, pelos mínimos e apenas focado no curto prazo. O mesmo se aplicará a quem gerir de uma forma mais profissional os seus imóveis, consequentemente terá capacidade de gerar rendas mais altas. Esta forma de actuar ajudará em muito o mercado português e tornará o mesmo mais atractivo para os utilizador/compradores finais que estarão mais satisfeitos e dispostos a pagar o justo valor.

José Gavino, diretor da Corum em Portugal – O que é preciso, até para termos um sector saudável, é que existam cada vez mais formas de investimento em imobiliário, seja através de fundos, sociedades ou seja através de crowdfunding. E é importantíssimo fazê-lo de uma forma simples, transparente e com montantes baixos. É preciso recuperar a confiança neste mercado e torná-lo acessível a mais pessoas.

 

 

Fonte: Diário Imobiliário