Na imprensa

Com a pandemia, os centros comerciais ficaram praticamente vazios e muitos lojistas não faturaram durante vários meses

Centros comerciais. Guerra das rendas incendeia o sector e afasta investidores.

A notícia caiu como uma bomba entre o sector imobiliário. Na sexta-feira, dia 3 de julho, com a aprovação do Orçamento suplementar, uma proposta do PCP sugeria a suspensão da componente fixa das rendas pagas pelos lojistas aos proprietários dos centros comerciais. A polémica subiu de tom ao longo desta semana,e já há pareceres jurídicos para todos os gostos sobre aquela proposta comunista. Uns dizem que é inconstitucional e outros garantem exatamente o contrário. Importa referir que nas rendas que os donos das lojas pagam aos centros comerciais onde estão instalados há uma componente fixa e outra que é variável, que geralmente oscila consoante o volume de vendas da loja. Ora, desde março, por causa da pandemia, as vendas ficaram reduzidas praticamente a zero. Os centros não fecharam, mas, regra geral, só as lojas de eletrodomésticos e os supermercados continuaram a faturar. Sem fazerem negócio, os lojistas começaram, desde logo, a renegociar as rendas com os proprietários dos centros. A Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) garante que a prova de que aquela lei (proposta pelo PCP) é desnecessária é que os centros já tinham acordos válidos com 87% das suas lojas para a concessão de apoios, que, até à data, já ultrapassam os EUR305 milhões.

 

Uma “grande mentira”

Já a recém-criada Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR) considera que isso se trata de uma “grande mentira” e adianta que apenas 14% dos seus associados tinha chegado a acordo com os proprietários dos centros comerciais.

No meio desta troca de galhardetes, João Cristina, 38 anos, gestor e diretor do grupo espanhol Merlin proprietário de alguns dos maiores centros comerciais em Portugal , assegura que, perante tudo o que se está a passar, “qualquer investidor olha para a aprovação daquela medida [do PCP] com algum alarme e com muita preocupação. É que isto de se alterarem as regras dos contratos a meio do jogo , beneficiando apenas uma das partes, não é justo nem proporcional”.

O diretor da Merlin, grupo que já investiu mais de EUR1000 milhões no mercado imobiliário português e projeta investir outro tanto ao longo dos próximo quatro/cinco anos, começa a fazer contas ao futuro da Merlin em Portugal, pois “falta saber onde é que isto [a intervenção do Estado em contratos entre privados] vai parar. Será que a seguir vamos ter intervenções ao nível das rendas dos escritórios ou da logística ou mesmo nos hotéis? É preciso recordar que estão a mexer em contratos que foram livremente acordados entre duas partes”.

João Cristina assume que agora está mais preocupado do que há uma semana com os investimentos do seu grupo em Portugal, porque, sublinha, “intuímos que pode vir aí mais qualquer coisa do género a seguir. Hoje estamos claramente preocupados e alarmados com a tendência que vemos ser seguida por parte do legislador”.

 

À procura de oportunidades

Em sentido contrário, José Gavino, diretor da Corum em Portugal um grupo francês que gere fundos de investimento imobiliário , explica que a prioridade, agora, “é procurar oportunidades de mercado que permitam expandir o portefólio dos nossos fundos e procurar as melhores soluções para remunerar os nossos investidores.”

Para a Corum, a situação atual é a indicada para tirar partido das oportunidades de compra num mercado que, pelo menos temporariamente, vai oferecer rendimentos imobiliários mais realistas face aos últimos anos.

Eric van Leuven, presidente da Associação de Empresas de Consultoria e Avaliação Imobiliária (ACAI), é mais cético e considera que “os investidores em geral olham agora com mais desconfiança para um país [Portugal] que mexe muitas vezes na lei e, desta vez, pode ser mesmo perigoso, pois preocupa-me que o Parlamento legisle sobre uma relação entre duas entidades privadas”.

Nota que dos 120 centros comerciais que há em Portugal apenas 30 ou 40 estão nas mãos de grandes fundos de investimento. Ou seja, “há proprietários de centros comerciais de menor dimensão que não vão aguentar vários meses sem receitas e que vão entregar os ativos aos bancos credores”.

Ainda sobre o impacto das alterações legislativas no investimento, Eric van Leuven, que também é diretor-geral da consultora Cushman & Wakefield, conta que já esta semana teve um dos seus clientes, que se prepara para aplicar EUR100 milhões em Portugal, a perguntar-lhe o que é que se passa e que riscos é que corre face às notícias mais recentes. Ficou sem resposta.

 

Frases

“Os investidores olham agora com mais desconfiança para Portugal, que mexe muitas vezes na lei”

Eric van Leuven Presidente da ACAI

“Falta saber onde é que isto [a intervenção do Estado em contratos privados] vai parar”

João Cristina Diretor da Merlin em Portugal

“A prioridade, agora, é procurar oportunidades que permitam expandir o portefólio dos nossos fundos”

José Gavino Diretor da Corum Portugal

 

Fonte: Expresso (edição impressa)